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Corações valentes


Você realmente sabe o que é coragem? Conhece os fatores que o incluem, ou não, entre o grupo dos mais audaciosos? Você vai se surpreender com as respostas que existem a essas perguntas


Dizem que essa história aconteceu com o Garrincha. Não tenho certeza disso, não sou especialista em assuntos esportivos, mas vamos supor que ela tenha acontecido mesmo com ele. Depois de uma partida em que o jogador fez uma sucessão de dribles absolutamente fantásticos, geniais, inolvidáveis, um repórter de campo daqueles bem chatinhos queria que ele explicasse com todos os detalhes como tinha conseguido isso. E o gênio do futebol, meio encabulado, explicou: “Olha, eu não sei bem direito, só sei que eu fui fondo, fui fondo, fui fondo, até conseguir fazer o gol...”

Coragem é quando a gente vai fondo. Não importam os desafios, dificuldades e obstáculos, carregamos uma certeza que diz que é para ir em frente, e que se formos em frente pra valer, mesmo com muito medo, esse vai ser o melhor caminho.

Esta reportagem, pois, é só para dar uma ideia mais clara de onde é possível arrancar essa certeza.

Ato corajoso Se você acha que coragem é apenas impulso emocional e ausência de medo, vale a pena conhecer as últimas pesquisas da área da neurobiologia sobre esse tema. E um dos grandes estudiosos do assunto é justamente o neurocientista e psicólogo clínico brasileiro Julio Peres. Ao longo de sua produtiva carreira, Peres especializouse na superação de traumas – isto é, no exercício de estimular a coragem em seus pacientes e de ensiná-los a superar seus medos. A novidade no assunto é que ele fez um mapeamento de como se dá essa superação por meio de tomografias computadorizadas que mostram os efeitos neurobiológicos da psicoterapia em pessoas traumatizadas. Ou seja, hoje é possível saber quais áreas do cérebro são ativadas quando uma pessoa tem a coragem de ultrapassar seus temores. E você vai cair de costas: a principal área estimulada é o córtex pré-frontal, a região ligada ao intelecto e ao planejamento de ações, e não a amígdala, uma estrutura cerebral correlacionada com o impulso emocional, a agressividade e o temor. Quem diria, a coragem é uma estratégia mental para superar o medo! Se a crença popular diz que a coragem é uma emoção nascida do coração, a ciência diz que ela é também resultado do raciocínio e capacidade de julgamento das variáveis disponíveis.

Por isso, Julio Peres prefere usar a expressão “ato corajoso” a usar “coragem”, o termo genérico. “O ato corajoso é resultado de um julgamento consciente. E julgar significa avaliar e analisar os caminhos possíveis diante de uma determinada situação. Um ato corajoso envolve capacidade de análise, equilíbrio e responsabilidade.” Quer dizer, se realmente vou ultrapassar um limite, eu o faço conscientemente, não apenas no impulso. Nessa concepção, a coragem tem muito mais peso e importância. “Esse tipo de coragem sem muita consciência pode até existir, por exemplo, num ato resultante de um reflexo instantâneo que salvou alguém de um atropelamento. Mas ela ainda é primitiva, não tem tanto valor exatamente porque não é muito consciente. É simplesmente uma presença de espírito, um expediente que deu certo, como podia não ter dado”, diz.

Segundo Peres, a coragem mais profunda é um processo de conscientização que tem a ver com ousadia, com conhecimento, determinação e capacidade de análise das variáveis. Ou seja, a coragem é ativa e não reativa. “E, nesse sentido, todos nós somos corajosos. Se chegamos à idade adulta, é porque optamos por milhares de atos conscientes e cheios de coragem que permitiram nossa sobrevivência. A coragem é um atributo comum a todos seres humanos e não uma qualidade de poucos. Somos todos heróis e vencedores, não porque fizemos extraordinários gestos grandiosos, mas simplesmente porque estamos vivos!”

Acontece que nossa memória tem o hábito de registrar com mais força e precisão as lembranças dolorosas – simples estratégia de sobrevivência para evitar que a gente caia no mesmo buraco escuro. E aí, por nos recordarmos só de nossos fracassos, acreditamos que somos medrosos, covardes, impotentes. Por isso, um dos primeiros passos para se livrar dessa autoimagem injusta é procurar se lembrar de algumas das superações de limite feitas no passado. Vale até a vez que você teve o peito de tirar as rodinhas da bicicleta.

A presença do medo Alguém aí tem ideia da etimologia da palavra covarde? Vem do francês antigo, coart, hoje couard, ou cauda arqueada – o popular rabo entre as pernas. A gente leva uma bordoada daquelas da vida e fica assim, igual a um cachorrinho, com o focinho baixo e o rabo encostado na barriga. Além de ficar com um baita medo de erguer a cabeça outra vez. Vai que lá vem bordoada de novo... É assim que estagnamos. “Procurar ajuda já é o primeiro ato de coragem. Conversar, se expor, desabafar. Acolher esse sentimento de não adequação, esse medo de ousar”, afirma Peres. “Um trauma nos congela no tempo: não conseguimos emergir daquela situação e dar o primeiro passo para ultrapassá-la no presente.”

Mas existem vários recursos terapêuticos para isso. Um deles, por exemplo, envolve os sonhos. Mais de 60% das pessoas com traumas que, no fundo, são grandes medos têm pesadelos com desagradável frequência. É possível, então, dar um desfecho diferente para os sonhos.

Outro recurso é a exposição à situação, passo a passo. No caso de alguém que sofreu um acidente e tem medo de dirigir de novo, por exemplo, a situação pode ser reconstruída no consultório, com apoio psicológico. E, na vida real, a pessoa é estimulada a voltar a dirigir: primeiro como passageiro, ao lado de um motorista em quem tenha confiança, depois tomando a direção, mas ainda com a pessoa ao lado. E depois, num curto trecho, sozinha. Eliminamse também as mesmas condições do dia do acidente, como um clima chuvoso, baixa luminosidade, estrada ruim, alta velocidade. Aos poucos, incorporam-se outras possibilidades ao cenário. Costuma funcionar. A pessoa pode estar ainda aflita e temerosa, mas a coragem de enfrentar a situação temível já é um passo para ultrapassar os traumas. A lição de ouro dessa história é: não existe coragem sem medo. Se não tiver medo, não é coragem.

Ousados até que ponto? Você já deve ter intuído que existem pessoas naturalmente mais corajosas que outras. Não que elas não sejam covardes de vez em quando – afinal a coragem não é um monolito (há gente, por exemplo, capaz de surfar ondas gigantes de 15 metros de altura no Havaí e morrer de pavor na hora de tomar uma injeção). Mas digamos que, na maioria das vezes, elas tenham uma tendência maior de se atirar na vida, e de enfrentar desafios, que outras. Se você já percebeu isso, saiba que sua intuição pode estar completamente certa: tem gente com maior vocação para experimentar o novo, o desconhecido, para se aventurar e controlar com bastante sucesso sua insegurança. Para essa turma, a vontade de sentir o gosto das experiências é mais forte que o medo e a perspectiva sempre presente de um arrependimento posterior. “É melhor se arrepender do que se fez que do que não se fez” é o lema deles.

Na classificação dos quatro grandes grupos comportamentais humanos realizada pela antropóloga americana Helen Fischer no livro Why Him? Why Her? (“Por que ele? Por que ela?”, sem edição brasileira), esse pessoal mais atirado é conhecido como “exploradores”. Gente criativa, inteligente, confiante, generosa, otimista. São pessoas um pouco volúveis, é verdade, mas se a estabilidade – seja na profissão, seja nas relações amorosas – oferecer espaço suficiente para a surpresa, o movimento e a inventividade, são capazes de permanecerem fiéis e sossegados por um bom tempo, pela vida toda, até. Segundo Helen, os exploradores, portanto, são os mais propensos a tomar atitudes ousadas – para o bem e também para o mal. Não é raro um explorador, principalmente dos mais afoitos, se esborrachar na vida – e com a mesma desenvoltura se recuperar à custa de seu eterno entusiasmo. A imensa maioria dos exploradores poderia assinar com orgulho o mesmo epitáfio que o poeta Pablo Neruda escolheu para si mesmo: “Confesso que vivi”. Eles realmente amam a vida, se divertem com ela e a vivem intensamente, mesmo com suas feridas, raspões e cortes.

Mas e quem não está nesse grupo? Para estabelecer e classificar esses grandes tipos de comportamento humano, Fischer pesquisou características gerais da personalidade e também a dosagem de hormônios (como progesterona, testosterona e oxitocina) dos seus 40 mil voluntários. Chegou a quatro classificações comportamentais: exploradores, construtores, dirigentes e negociadores. Vale a pena conhecer um pouco desses outros grupos humanos para ver como eles vivenciam a ousadia e a determinação. É o que vamos ver em seguida, sem esquecer o que foi dito: que todos nós temos coragem, e que apenas vamos nos diferenciar na maneira de exercê-la.

Construir, negociar Bem, os construtores são o que Helen chama de “os pilares da sociedade”. São pessoas responsáveis, dedicadas, fiéis a seus princípios e muito ligadas às metas que estabeleceram para suas vidas. São mais tradicionais e procuram pessoas igualmente conservadoras para se relacionar. Permanecem longo tempo nos empregos, ou nos casamentos, e olham com bastante desconfiança para o novo ou diferente. Gostam das coisas como estão e desejam que elas se mantenham assim, mesmo quando não estão lá essas coisas. Podem ser corajosas, principalmente quando lutam pelo que acreditam, porém são cautelosas e menos impulsivas. Se optam por um ato corajoso, é porque já refletiram bastante a respeito e porque ele está de acordo com o que pensam da vida naquele momento. Podem até se sentir meio inseguros, mas vão em frente.

Já os dirigentes são líderes naturais. Ambiciosos, persistentes, estrategistas. Arriscam-se conscientemente diante da possibilidade de um lucro maior ou um ganho inesperado. Não têm tanto medo de ultrapassar limites, principalmente se a recompensa for muito tentadora. São motivados pelo sucesso, gostam de ter objetivos claros e demonstram bastante consideração por seus aliados mais importantes. São racionais e bastante concretos com o que desejam no futuro. Valorizam a amizade e a cumplicidade mais do que o amor. Sua coragem geralmente é fruto de uma análise criteriosa, mas também sabem se atirar, pois reconhecem com rapidez uma boa oportunidade.

Os negociadores são éticos, valorizam o bem-estar geral e dão bastante importância às questões humanitárias. Pessoalmente, afetuosos, gentis, empáticos com os sentimentos dos outros e bem articulados ao expressar suas próprias ideias. Apreciam relacionamentos profundos e não dão muito valor à vida social. Têm um modo de pensar eclético, dinâmico, abrangente e por isso mesmo são mestres na arte da negociação: o ideal para eles é que tudo chegue a um bom termo sem grandes conflitos. São corajosos e se arriscam principalmente quando o benefício é geral – e não apenas particular.

Se você ainda não se achou, é porque esses tipos são associados aos pares: uma pessoa pode ser exploradora/negociadora, outra construtora/dirigente etc. E as associações entre elas também variam de acordo com os pares. Num relacionamento a longo prazo, uma negociadora/exploradora pode precisar da persistência e da firmeza de um negociador/construtor, assim como ele pode se beneficiar da criatividade e ousadia dela, qualidades que podem faltar ao meu parceiro. Além disso, a troca é facilitada porque temos uma base comum – somos ambos negociadores.

No geral, a relação mais fácil é entre pares semelhantes. As associações entre as pessoas podem estimular, contemporizar ou refrear atos de coragem. Dependendo de quem está com quem.

A força do amor Um dos combustíveis que mais estimulam a coragem é o amor. Histórias contadas em praticamente todas as culturas falam da bravura e do destemor de um homem ou mulher despertos pelo amor. Pais que lutam por seus filhos, enamorados por suas paixões, amigos por seus camaradas. E uma das mais belas histórias que descrevem esse sentimento está no livro Graça e Coragem, de Ken Wilber, sobre a relação com sua companheira, Treya Killam Wilber.

Não é um livro para corações fracos. Wilber já era conhecido como um dos mais brilhantes filósofos americanos quando conheceu Treya, uma mulher cheia de alegria. “Foi amor ao primeiro toque”, conta ela em seu diário. Diante do contato singelo entre os dois corpos – um abraço pela cintura na cozinha da casa de uns amigos –, eles sentiram uma descarga vibrante de energia. Reconheceram-se como se já tivessem estado juntos por todo o sempre. Casaram-se em quatro meses. Dez dias depois da cerimônia, Treya teve o dignóstico de câncer de mama.

O que lemos nas 374 páginas de Graça e Coragem é a história do casal durante cinco anos de luta contra o câncer. De intelectual enterrado nos livros (só interrompia a leitura para as sessões de meditação), Ken Wilber se tornou um verdadeiro “dono de casa”, responsável pela cozinha, além de acompanhar a mulher às frequentes internações. Nesse período, ele simplesmente deixou de escrever, a não ser um pequeno diário, que veio a ser base do livro. Porém, o que emerge do seu relato não é autopiedade nem sofrimento. Seu texto descreve um profundo amor e uma coragem sem par, temperada pelo encanto e leveza do olhar de Treya para a vida. Mesmo a raiva, a revolta e a depressão que os dois experimentaram foram derrotadas pelo imenso sentimento que os ligou.

Treya morreu, mas existe uma fundação em seu nome que ela criou ainda em vida. Wilber voltou a escrever sobre sua ambiciosa síntese do pensamento ocidental e oriental. Sem Treya, e a experiência que teve com ela, talvez o pensador não conseguisse atingir a real dimensão de seu trabalho nessa vida.

Portanto, para se encher de coragem, fortaleça-se com leituras inspiradoras como essa, uma alimentação energética, exercícios físicos de aterramento, terapia. Traga força e vitalidade para seu corpo, mente e espírito, cerque-se de amigos que possam lhe dar sustentação nas suas decisões. Respire fundo, levante a cabeça e lembre-se dos dribles geniais de Garrincha. E vá fundo.


Para saber mais
Graça e Coragem, Ken Wilber, Gaia
Trauma e Superação, Julio Peres, Roca

por Liane Alves (Publicado na Revista Vida Simples)

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